Por Elói Pietá
Uma jornalista brasileira, Micheline Borges, assim se manifestou sobre médicas cubanas negras que desembarcaram no Brasil para o programa Mais Médicos: “Essas médicas cubanas tem uma cara de empregada doméstica. Será que são médicas mesmo? Médico geralmente tem postura, tem cara de médico, se impõe a partir da aparência”.
Além do crime de racismo, ela demonstra desprezo pelas empregadas domésticas, que para ela não tem postura, não tem aparência. Ela revela a convicção de que só os brancos podem ser médicos, só eles tem cara de médico, só eles tem postura, tem aparência.
O mais grave é que o próprio secretário nacional de Gestão Estratégica do Ministério da Saúde, Odorico Monteiro, constatou isso entre jovens médicos brasileiros do Ceará, que o agrediram fisicamente quando ele estava dando as boas vindas aos médicos cubanos em Fortaleza. Diz ele sobre a manifestação convocada pelo sindicato dos médicos no Ceará: “Foi um ato de agressividade, xenofobia, preconceito e racismo. Eles ainda sentem saudades da Casa Grande e Senzala”.
O próprio secretário estadual de Saúde do Ceará, Arruda Bastos, escorregou nas palavras justamente quando prestava solidariedade aos médicos estrangeiros agredidos verbalmente pelos jovens médicos manifestantes de Fortaleza. Disse ele: “Nada justifica uma atitude deste tipo. Foi um dia negro para a classe médica do estado”. Conclui-se que se os médicos brasileiros tivessem dispensado boas vindas ao invés de xingamentos, seria um dia branco.
Quem diz que não há racismo na sociedade brasileira? O que estranhou para muitos ao ver as imagens dos médicos cubanos chegando, diferente da imagem dos médicos espanhóis e portugueses? É que boa parte deles são negros. Embora a sociedade brasileira seja composta por maioria de origem negra é raríssimo encontrarmos negros e negras como médicos nos postos de saúde e hospitais. Começa aí a real discriminação racial vigente na sociedade brasileira. Ainda estamos no século 19, na era anterior a Charles Darwin, que além de provar a evolução das espécies provou que negros e brancos são essencialmente iguais, que a jornalista e os jovens médicos brancos do Ceará tem a mesma humanidade e a mesma capacidade possível que as negras empregadas domésticas. Depende das chances de estudar.
Trata-se também de uma discriminação social. A origem de quem faz medicina no Brasil é classe alta e classe média tradicional. Isso já mostra o gargalo social que são nossas faculdades de medicina. E, em boa parte mostra, por que os nossos médicos não querem ir para a periferia e para as pequenas cidades mais pobres de nosso país. Lá estão os negros e negras.
*Artigo publicado no jornal Diário de Guarulhos em 29/08/2013
O programa Mais Médicos revela as entranhas da sociedade brasileira – Por Elói Pietá
A origem de quem faz medicina no Brasil é classe alta e classe média tradicional. Isso já mostra o gargalo social que são nossas faculdades de medicina. E, em boa parte mostra, por que os nossos médicos não querem ir para a periferia e para as pequenas cidades mais pobres de nosso país. Lá estão os negros e negras.