A África está cheia de boas notícias mas pouca gente nas demais regiões do mundo se dá conta disso.
Por Luiz Inácio Lula da Silva
A África está cheia de boas notícias mas pouca gente nas demais regiões do mundo se dá conta disso.
As noticias que nos chegam dos países africanos, quando chegam, são quase sempre negativas e caricaturais. Quem observa com atenção e sem preconceitos, no entanto, percebe que está nascendo uma nova África.
Nesta nova África, o PIB cresce cerca de 5% há mais de uma década. Apesar da crise financeira internacional, deve crescer a taxa semelhante em 2013, com a inflação sob controle. Entre os dez países que mais cresceram em todo o mundo, nos últimos anos, nada menos de sete são africanos.
A chamada classe média africana já ultrapassou a marca de 300 milhões de pessoas, em uma população de cerca de 1 bilhão de habitantes. Os indicadores de saúde na maioria dos países da região tem melhorado. Melhorou também o acesso à tecnologia: hoje existem mais de 700 milhões de celulares no continente e mais de 100 milhões tem acesso à internet.
A democracia avança a passos largos. Em 2011 e 2012, houve 26 eleições para o executivo e o legislativo em países africanos. O continente sabe a importância da democracia e não abrirá mão do direito do povo escolher com liberdade seus governantes e participar ativamente na definição das políticas públicas.
Apesar de todos os problemas que ainda enfrenta, está conseguindo superar a herança devastadora do colonialismo e das disputas entre as grandes potências da guerra fria. Está se consolidando cada vez mais como um continente de paz e de progresso.
Como presidente do Brasil, visitei 26 países africanos, ampliando relações políticas, econômicas e sociais. Nossa parceria com os países africanos tornou-se muito mais abrangente e diversificada. E desde que deixei a presidência, já estive em 10 países do continente, a convite de seus presidentes e da União Africana. Debati os desafios do futuro com jovens, empresários, sindicalistas, governantes e agências de desenvolvimento.
Os governantes africanos perceberam que é preciso desafiar a lógica insensata, recessiva e excludente, de tantos países chamados desenvolvidos. Em vez de cortar investimentos, rebaixar salários e aposentadorias e demitir trabalhadores, atrofiar o crédito e o consumo, quase todos os países africanos estão fazendo justamente o contrário: incentivando o investimento, gerando empregos e fomentando o mercado interno.
A União Africana, que acaba de comemorar o seu 50º aniversário, está certa: o momento é de ousadia e não de passividade. É tempo de solidariedade entre as nações, não de pressão dos países com economias mais fortes sobre os mais fracos.
A África voltou a conduzir o seu próprio destino. Ela não quer nem deve ser dirigida por outros. Quer a inclusão social e o bem estar de sua gente, sem interferência política ou militar de nações estrangeiras. Quer conquistar a autossuficiência alimentar e a independência energética, construindo uma logística de integração que permita expandir o comércio, a indústria e a cooperação produtiva entre os seus países.
Daí a enorme importância do Programa de Desenvolvimento – o PIDA – que os 54 países da África aprovaram recentemente e estão lutando para viabilizar. O PIDA, cujo lema é “interligar, integrar e transformar”, planeja investir U$ 360 bilhões até 2040, sendo U$ 68 bilhões em ações prioritárias até 2020. Seus projetos mais importantes concentram-se nas áreas de energia, saneamento, transporte, irrigação e novas tecnologias. Quando a União Africana toma uma iniciativa dessa envergadura, ela demonstra a seriedade daqueles que, diante da crise, não se desesperam nem se omitem.
Eu aplaudo tal ousadia. E tenho dito aos meus amigos africanos que essa mesma ousadia pode e deve ser adotada no combate à fome, que continua sendo uma das piores mazelas mundiais e, particularmente, da África. O combate à fome e a pobreza é vital para a afirmação de uma nova África.
Pobreza e miséria não são leis da natureza. Não faltam alimentos nem tecnologia para aumentar a sua produção. Não há motivo algum para nos conformarmos com o fato de que quase 1 bilhão de seres humanos, dos quais 239 milhões na África, segundo as Nações Unidas, continuem sofrendo diariamente com a fome e a desnutrição.
Em 2003, quando assumi a presidência do meu país, tinha convicção moral e política de que era necessário combater a fome e a pobreza com vigorosas políticas de Estado. Hoje, tenho a certeza e a experiência prática de que é possível acabar com a fome no mundo.
Com a tecnologia adequada, não tenho dúvida de que o continente africano poderá dar nas próximas décadas o mesmo salto agrícola que o Brasil, por exemplo, já deu. Os estudos da Embrapa, a empresa pública brasileira de pesquisas agrícolas, indicam que a savana africana é muito semelhante ao cerrado brasileiro, hoje o nosso maior celeiro. Estou seguro de que em pouco tempo ela poderá alimentar os seus povos, e exportar grãos, carnes e biocombustíveis para inúmeros países do mundo.
A luta contra a fome e a pobreza não é só um imperativo moral de qualquer democracia digna desse nome. A inclusão social gera também novos empregos e impulsiona o crescimento da economia.
Outros países tem experimentado caminho semelhante. Eu estive no México, a convite do presidente Enrique Peña Nieto, no lançamento da sua cruzada nacional contra a fome. Programas de transferência de renda tem sido adotados em países tão diferentes como, por exemplo, a Índia e o Equador. Fiquei muito feliz ao saber, pelo Primeiro Ministro do Haiti, que um novo programa “Ajuda ao Povo” deverá beneficiar 800 mil pessoas, cerca de 8% da população total do país.
No Brasil, os números que traduzem melhor o sucesso dessa estratégia de investir nos pobres são os 20 milhões de empregos formais criados nos últimos dez anos, as 36 milhões de pessoas que saíram da extrema pobreza e as 40 milhões que ascenderam à classe média.
Eu estou convencido de que o investimento em programas sociais, na produção agrícola e na infraestrutura dos países em desenvolvimento, especialmente da África, poderá criar milhões de novos empregos e consumidores, impulsionando a demanda por produtos e serviços e contribuindo para uma retomada sustentável da economia global.
A União Africana, a FAO e o Instituto Lula promoverão em Adis Abeba, na Etiópia, no final de junho, uma reunião de alto nível para discutir a segurança alimentar na África. Queremos integrar cada vez mais a atuação dos diferentes atores, inclusive as entidades civis, na luta contra a fome.
Uma iniciativa como essa, porém, só terá sucesso se o governo de cada país se comprometer a incluir, de uma vez por todas, os pobres no seu orçamento. Recursos para os pobres não podem ser vistos como gasto, mas como investimento de alto retorno que um país faz em seu próprio povo.
*Luiz Inácio Lula da Silva é ex-presidente do Brasil e trabalha com iniciativas globais no Instituto Lula
As noticias que nos chegam dos países africanos, quando chegam, são quase sempre negativas e caricaturais. Quem observa com atenção e sem preconceitos, no entanto, percebe que está nascendo uma nova África.
Nesta nova África, o PIB cresce cerca de 5% há mais de uma década. Apesar da crise financeira internacional, deve crescer a taxa semelhante em 2013, com a inflação sob controle. Entre os dez países que mais cresceram em todo o mundo, nos últimos anos, nada menos de sete são africanos.
A chamada classe média africana já ultrapassou a marca de 300 milhões de pessoas, em uma população de cerca de 1 bilhão de habitantes. Os indicadores de saúde na maioria dos países da região tem melhorado. Melhorou também o acesso à tecnologia: hoje existem mais de 700 milhões de celulares no continente e mais de 100 milhões tem acesso à internet.
A democracia avança a passos largos. Em 2011 e 2012, houve 26 eleições para o executivo e o legislativo em países africanos. O continente sabe a importância da democracia e não abrirá mão do direito do povo escolher com liberdade seus governantes e participar ativamente na definição das políticas públicas.
Apesar de todos os problemas que ainda enfrenta, está conseguindo superar a herança devastadora do colonialismo e das disputas entre as grandes potências da guerra fria. Está se consolidando cada vez mais como um continente de paz e de progresso.
Como presidente do Brasil, visitei 26 países africanos, ampliando relações políticas, econômicas e sociais. Nossa parceria com os países africanos tornou-se muito mais abrangente e diversificada. E desde que deixei a presidência, já estive em 10 países do continente, a convite de seus presidentes e da União Africana. Debati os desafios do futuro com jovens, empresários, sindicalistas, governantes e agências de desenvolvimento.
Os governantes africanos perceberam que é preciso desafiar a lógica insensata, recessiva e excludente, de tantos países chamados desenvolvidos. Em vez de cortar investimentos, rebaixar salários e aposentadorias e demitir trabalhadores, atrofiar o crédito e o consumo, quase todos os países africanos estão fazendo justamente o contrário: incentivando o investimento, gerando empregos e fomentando o mercado interno.
A União Africana, que acaba de comemorar o seu 50º aniversário, está certa: o momento é de ousadia e não de passividade. É tempo de solidariedade entre as nações, não de pressão dos países com economias mais fortes sobre os mais fracos.
A África voltou a conduzir o seu próprio destino. Ela não quer nem deve ser dirigida por outros. Quer a inclusão social e o bem estar de sua gente, sem interferência política ou militar de nações estrangeiras. Quer conquistar a autossuficiência alimentar e a independência energética, construindo uma logística de integração que permita expandir o comércio, a indústria e a cooperação produtiva entre os seus países.
Daí a enorme importância do Programa de Desenvolvimento – o PIDA – que os 54 países da África aprovaram recentemente e estão lutando para viabilizar. O PIDA, cujo lema é “interligar, integrar e transformar”, planeja investir U$ 360 bilhões até 2040, sendo U$ 68 bilhões em ações prioritárias até 2020. Seus projetos mais importantes concentram-se nas áreas de energia, saneamento, transporte, irrigação e novas tecnologias. Quando a União Africana toma uma iniciativa dessa envergadura, ela demonstra a seriedade daqueles que, diante da crise, não se desesperam nem se omitem.
Eu aplaudo tal ousadia. E tenho dito aos meus amigos africanos que essa mesma ousadia pode e deve ser adotada no combate à fome, que continua sendo uma das piores mazelas mundiais e, particularmente, da África. O combate à fome e a pobreza é vital para a afirmação de uma nova África.
Pobreza e miséria não são leis da natureza. Não faltam alimentos nem tecnologia para aumentar a sua produção. Não há motivo algum para nos conformarmos com o fato de que quase 1 bilhão de seres humanos, dos quais 239 milhões na África, segundo as Nações Unidas, continuem sofrendo diariamente com a fome e a desnutrição.
Em 2003, quando assumi a presidência do meu país, tinha convicção moral e política de que era necessário combater a fome e a pobreza com vigorosas políticas de Estado. Hoje, tenho a certeza e a experiência prática de que é possível acabar com a fome no mundo.
Com a tecnologia adequada, não tenho dúvida de que o continente africano poderá dar nas próximas décadas o mesmo salto agrícola que o Brasil, por exemplo, já deu. Os estudos da Embrapa, a empresa pública brasileira de pesquisas agrícolas, indicam que a savana africana é muito semelhante ao cerrado brasileiro, hoje o nosso maior celeiro. Estou seguro de que em pouco tempo ela poderá alimentar os seus povos, e exportar grãos, carnes e biocombustíveis para inúmeros países do mundo.
A luta contra a fome e a pobreza não é só um imperativo moral de qualquer democracia digna desse nome. A inclusão social gera também novos empregos e impulsiona o crescimento da economia.
Outros países tem experimentado caminho semelhante. Eu estive no México, a convite do presidente Enrique Peña Nieto, no lançamento da sua cruzada nacional contra a fome. Programas de transferência de renda tem sido adotados em países tão diferentes como, por exemplo, a Índia e o Equador. Fiquei muito feliz ao saber, pelo Primeiro Ministro do Haiti, que um novo programa “Ajuda ao Povo” deverá beneficiar 800 mil pessoas, cerca de 8% da população total do país.
No Brasil, os números que traduzem melhor o sucesso dessa estratégia de investir nos pobres são os 20 milhões de empregos formais criados nos últimos dez anos, as 36 milhões de pessoas que saíram da extrema pobreza e as 40 milhões que ascenderam à classe média.
Eu estou convencido de que o investimento em programas sociais, na produção agrícola e na infraestrutura dos países em desenvolvimento, especialmente da África, poderá criar milhões de novos empregos e consumidores, impulsionando a demanda por produtos e serviços e contribuindo para uma retomada sustentável da economia global.
A União Africana, a FAO e o Instituto Lula promoverão em Adis Abeba, na Etiópia, no final de junho, uma reunião de alto nível para discutir a segurança alimentar na África. Queremos integrar cada vez mais a atuação dos diferentes atores, inclusive as entidades civis, na luta contra a fome.
Uma iniciativa como essa, porém, só terá sucesso se o governo de cada país se comprometer a incluir, de uma vez por todas, os pobres no seu orçamento. Recursos para os pobres não podem ser vistos como gasto, mas como investimento de alto retorno que um país faz em seu próprio povo.
*Luiz Inácio Lula da Silva é ex-presidente do Brasil e trabalha com iniciativas globais no Instituto Lula