Ao analisar documentos da Siemens, empresa integrante do cartel que drenou recursos do Metrô e trens de São Paulo, o Cade e o MP concluíram que os cofres paulistas foram lesados em pelo menos R$ 425 milhões
Por Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas, revista Istoé
Na última semana, ISTOÉ publicou documentos inéditos e trouxe à tona o depoimento voluntário de um ex-funcionário da multinacional alemã Siemens ao Ministério Público. Segundo as revelações, o esquema montado por empresas da área de transporte sobre trilhos em São Paulo para vencer e lucrar com licitações públicas durante os sucessivos governos do PSDB nos últimos 20 anos contou com a participação de autoridades e servidores públicos e abasteceu um propinoduto milionário que desviou dinheiro das obras para políticos tucanos. Toda a documentação, inclusive um relatório do que foi revelado pelo ex-funcionário da empresa alemã, está em poder do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para quem a Siemens – ré confessa por formação de cartel – vem denunciando desde maio de 2012 as falcatruas no Metrô e nos trens paulistas, em troca de imunidade civil e criminal para si e seus executivos. Até semana passada, porém, não se sabia quão rentável era este cartel.
Ao se aprofundarem, nos últimos dias, na análise da papelada e depoimentos colhidos até agora, integrantes do Cade e do Ministério Público se surpreenderam com a quantidade de irregularidades encontradas nos acordos firmados entre os governos tucanos de São Paulo e as companhias encarregadas da manutenção e aquisição de trens e da construção de linhas do Metrô e de trens. Uma das autoridades envolvidas na investigação chegou a se referir ao esquema como uma fabulosa história de achaque aos cofres públicos, num enredo formado por pessoas-chaves da administração – entre eles diretores do metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) –, com participação especial de políticos do PSDB, os principais beneficiários da tramoia. Durante a apuração, ficou evidente que o desenlace dessa trama é amargo para os contribuintes paulistas. A investigação revela que o cartel superfaturou cada obra em 30%. É o mesmo que dizer que os governantes tucanos jogaram nos trilhos R$ 3 de cada R$ 10 desembolsado com o dinheiro arrecadado dos impostos. Foram analisados 16 contratos correspondentes a seis projetos. De acordo com o MP e o Cade, os prejuízos aos cofres públicos somente nesses negócios chegaram a RS 425,1 milhões. Os valores, dizem fontes ligadas à investigação ouvidas por ISTOÉ, ainda devem se ampliar com o detalhamento de outros certames vencidos em São Paulo pelas empresas integrantes do cartel nesses e em outros projetos.
Entre os contratos em que o Cade detectou flagrante sobrepreço está o de fornecimento e instalação de sistemas para transporte sobre trilhos da fase 1 da Linha 5 Lilás do metrô paulista. A licitação foi vencida pelo consórcio Sistrem, formado pela empresa francesa Alstom, pela alemã Siemens juntamente com a ADtranz (da canadense Bombardier) e a espanhola CAF. Os serviços foram orçados em R$ 615 milhões. De acordo com testemunhos oferecidos ao Cade e ao Ministério Público, esse contrato rendeu uma comissão de 7,5% a políticos do PSDB e dirigentes da estatal. Isso significa algo em torno de R$ 46 milhões só em propina. “A Alstom coordenou um grande acordo entre várias empresas, possibilitando dessa forma um superfaturamento do projeto”, revelou um funcionário da Siemens ao MP. Antes da licitação, a Alstom, a ADtranz, a CAF, a Siemens, a TTrans e a Mitsui definiram a estratégia para obter o maior lucro possível. As companhias que se associaram para a prática criminosa são as principais detentoras da tecnologia dos serviços contratados.
O responsável por estabelecer o escopo de fornecimento e os preços a serem praticados pelas empresas nesse contrato era o executivo Masao Suzuki, da Mitsui. Sua empresa, no entanto, não foi a principal beneficiária do certame. Quem ficou com a maior parte dos valores recebidos no contrato da fase 1 da Linha 5 Lilás do Metrô paulista foi a Alstom, que comandou a ação do cartel durante a licitação. Mas todas as participantes entraram no caixa da propina. Cada empresa tinha sua própria forma de pagar a comissão combinada com integrantes do PSDB paulista, segundo relato do delator e ex-funcionário da Siemens revelado por ISTOÉ em sua última edição. Nesse contrato específico, a multinacional francesa Alstom e a alemã Siemens recorreram à consultoria dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira. Documentos apresentados por ISTOÉ na semana passada mostraram que eles operam por meio de duas offshores localizadas no Uruguai, a Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Para não deixar rastro do suborno, ambos também se valem de contas em bancos na Suíça, de acordo a investigação.
PEDIDO DE CPI
Líder do PT na Assembleia Legislativa,
Luiz Claudio Marcolino, trabalha pela abertura de inquérito
No contrato da Linha 2 do Metrô, o superfaturamento identificado até agora causou um prejuízo estimado em R$ 67,5 milhões ao erário paulista. As licitações investigadas foram vencidas pela dupla Alstom/Siemens e pelo consórcio Metrosist, do qual a Alstom também fez parte. O contrato executado previa a prestação de serviços de engenharia, o fornecimento, a montagem e a instalação de sistemas destinados à extensão oeste da Linha 2 Verde. Orçado inicialmente em R$ 81,7 milhões, só esse contrato recebeu 13 reajustes desde que foi assinado, em outubro de 1997. As multinacionais francesa e alemã ficaram responsáveis pelo projeto executivo para fornecimento e implantação de sistemas para o trecho Ana Rosa/ Ipiranga. A Asltom e a Siemens receberam pelo menos R$ 143,6 milhões para executar esse serviço.
O sobrepreço de 30% foi estabelecido também em contratos celebrados entre as empresas pertencentes ao cartel e à estatal paulista CPTM. Entre eles, o firmado em 2002 para prestação de serviços de manutenção preventiva e corretiva de dez trens da série 3000. A Siemens ganhou o certame por um valor original de R$ 33,7 milhões. Em seguida, o conglomerado alemão subcontratou a MGE Transportes para serviços que nunca foram realizados. A MGE, na verdade, serviu de ponte para que a Siemens pudesse efetuar o pagamento da propina de 5% acertada com autoridades e dirigentes do Metrô e da CPTM. O dinheiro da comissão – cerca de R$ 1,7 milhão só nessa negociata, segundo os investigadores – mais uma vez tinha como destino final a alta cúpula da estatal e políticos ligados ao PSDB. A propina seria distribuída, segundo depoimento ao Cade ao qual ISTOÉ teve acesso, pelo diretor da CPTM, Luiz Lavorente. Além da MGE, a Siemens também recorreu à companhia japonesa Mitsui para intermediar pagamentos de propina em outras transações. O que mais uma vez demonstra o quão próxima eram as relações das empresas do cartel que, na teoria, deveriam concorrer entre si pelos milionários contratos públicos no setor de transportes sobre trilhos. O resultado da parceria criminosa entre as gigantes do setor pareceu claro em outros 12 contratos celebrados com a CPTM referentes às manutenções dos trens das séries 2000 e 2100 e o Projeto Boa Viagem, que já foram analisados pelo CADE. Neles, foi contabilizado um sobrepreço de aproximadamente R$ 163 milhões.
Não é por acaso que as autoridades responsáveis por investigar o caso referem-se ao esquema dos governos do PSDB em São Paulo como uma “fabulosa história”. O superfaturamento constatado nos contratos de serviços e oferta de produtos às estatais paulistanas Metrô e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos [CPTM] supera até mesmo os índices médios calculados internacionalmente durante a prática deste crime. Cálculos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, por exemplo, apontam que os cartéis ocasionam um prejuízo aos cofres públicos de 10% a 20%. No caso destes 16 contratos, a combinação de preços e direcionamentos realizados pelas companhias participantes da prática criminosa levaram a um surpreendente rombo de 30% aos cofres paulistas.
Diante das denúncias, na última semana o PT e outros partidos oposicionistas em São Paulo passaram a se movimentar para tentar aprovar a instalação de uma CPI. “O governador Geraldo Alckmin diz querer que as denúncias do Metrô e da CPTM sejam apuradas. Então, que oriente a sua bancada a protocolar o pedido de CPI, pelo menos, desta vez”, propôs o líder do PT na Assembleia paulista, Luiz Cláudio Marcolino. “É flagrante que os contratos precisam ser revisados. Temos de ter transparência com o dinheiro público independente de partido”, diz ele. Caso a bancada estadual do PT não consiga aprovar o pedido, por ter minoria, a sigla tentará abrir uma investigação na Câmara Federal. “Não podemos deixar um assunto desta gravidade sem esclarecimentos. Ainda mais quando se trato de acusações tão contundentes de desvios de verbas públicas”, afirmou o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP). O que se sabe até agora já é suficiente para ensejar um inquérito. Afinal, trata-se de um desvio milionário de uma das principais obras da cidade mais populosa do País e onde se concentra o maior orçamento nacional. Se investigada a fundo, a história do achaque de 30% aos cofres públicos pode trazer ainda mais revelações fabulosas.
Queima de arquivo
Uma pasta amarela com cerca de 200 páginas guardada na 1ª Vara Criminal do Fórum da cidade de Itu, interior paulista, expõe um lado ainda mais sombrio das investigações que apuram o desvio milionário das obras do metrô e trens metropolitanos durante governos do PSDB em São Paulo nos últimos 20 anos. Trata-se do processo judicial 9900.98.2012 que investiga um incêndio criminoso que consumiu durante cinco horas 15.339 caixas de documentos e 3.001 tubos de desenhos técnicos. A papelada fazia parte dos arquivos do metrô armazenados havia três décadas. Entre os papeis que viraram cinzas estão contratos assinados entre 1977 e 2011, laudos técnicos, processos de contratação, de incidentes, propostas, empenhos, além de relatórios de acompanhamento de contratos de 1968 até 2009. Sob segredo de Justiça, a investigação que poderá ser reaberta pelo Ministério Público, diante das novas revelações sobre o caso feitas por ISTOÉ, acrescenta novos ingredientes às já contundentes denúncias feitas ao Cade pelos empresários da Siemens a respeito do escândalo do metrô paulista. Afinal, a ação dos bandidos pode ter acobertado a distribuição de propina, superfaturamento das obras, serviços e a compra e manutenção de equipamentos para o metrô paulista.
Segundo o processo, na madrugada do dia 9 de julho do ano passado, nove homens encapuzados e armados invadiram o galpão da empresa PA Arquivos Ltda, na cidade de Itu, distante 110 km da capital paulista, renderam os dois vigias, roubaram 10 computadores usados, espalharam gasolina pelo prédio de 5 mil m² e atearam fogo. Não sobrou nada. Quatro meses depois de lavrado o boletim de ocorrência, nº 1435/2012, a polícia paulista concluiu que o incêndio não passou de um crime comum. “As investigações não deram em nada”, admite a delegada de Policia Civil Milena, que insistiu em se identificar apenas pelo primeiro nome. “Os homens estavam encapuzados e não foram identificados”, diz a policial. Investigado basicamente como sumiço de papéis velhos, o incêndio agora ganha ares de queima de arquivo. O incidente ocorreu 50 dias depois de entrar em vigor a Lei do Acesso à Informação, que obriga os órgãos públicos a fornecerem cópias a quem solicitar de qualquer documento que não seja coberto por sigilo legal, e quatro meses depois de começarem as negociações entre o Cade e a Siemens para a assinatura do acordo de leniência, que vem denunciando as falcatruas no metrô e trens paulistas. “Não podemos descartar que a intenção desse crime era esconder provas da corrupção”, entende o deputado Luiz Cláudio Marcolino, líder do PT na Assembleia Legislativa do Estado.
Além das circunstâncias mais do que suspeitas do incêndio, documentos oficiais do governo, elaborados pela gerência de Auditoria e Segurança da Informação (GAD), nº 360, em 19 de setembro passado, deixam claro que o galpão para onde foi levado todo o arquivo do metrô não tinha as mínimas condições para a guarda do material. Cravado em plena zona rural de Itu, entre uma criação de coelhos e um pasto com cocheiras de gado, o galpão onde estavam armazenados os documentos não tinha qualquer segurança. Poderia ser facilmente acessado pelas laterais e fundos da construção.
De acordo com os documentos aos quais ISTOÉ teve acesso, o governo estadual sabia exatamente da precariedade da construção quando transferiu os arquivos para o local. O relatório de auditoria afirma que em 20 de abril de 2012 – portanto, três dias depois da assinatura do contrato entre a PA Arquivos e o governo de Geraldo Alckmin – o galpão permanecia em obras e “a empresa não estava preparada para receber as caixas do Metrô”. A comunicação interna do governo diz mais. Segundo o laudo técnico do GAD, “a empresa não possuía instalações adequadas para garantir a preservação do acervo documental”. Não havia sequer a climatização do ambiente, item fundamental para serviços deste tipo.
O prédio foi incendiado poucos dias depois da migração do material para o espaço. “Não quero falar sobre esse crime”, disse um dos proprietários da empresa, na época do incêndio, Carlos Ulderico Botelho. “Briguei com o meu sócio, sai da sociedade e tomei muito prejuízo. Esse incêndio foi estranho. Por isso, prefiro ficar em silêncio”. Outra excentricidade do crime é que o fato só foi confirmado oficialmente pelo governo seis meses depois do ocorrido. Em 16 páginas do Diário do Diário Oficial, falou-se em “sumiço” da papelada. Logo depois da divulgação do sinistro, o deputado estadual do PT, Simão Pedro, hoje secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo, representou contra o Governo do Estado no Ministério Público Estadual. “Acredita-se que os bandidos tenham provocado o incêndio devido o lugar abrigar vários documentos”. Para o parlamentar, “esse fato sairia da hipótese de crime de roubo com o agravante de causar incêndio, para outro crime, de deliberada destruição de documentos públicos”, disse Simão, em dezembro passado. Procurados por ISTOÉ, dirigentes do Metrô de SP não quiseram se posicionar.
Fotos: PEDRO DIAS/ag. istoé
Fotos: ADRIANA SPACA/BRAZIL PHOTO PRESS; Luiz Claudio Barbosa/Futura Press; NILTON FUKUDA/ESTADÃO
Foto: Rubens Chaves/Folhapress
Ao se aprofundarem, nos últimos dias, na análise da papelada e depoimentos colhidos até agora, integrantes do Cade e do Ministério Público se surpreenderam com a quantidade de irregularidades encontradas nos acordos firmados entre os governos tucanos de São Paulo e as companhias encarregadas da manutenção e aquisição de trens e da construção de linhas do Metrô e de trens. Uma das autoridades envolvidas na investigação chegou a se referir ao esquema como uma fabulosa história de achaque aos cofres públicos, num enredo formado por pessoas-chaves da administração – entre eles diretores do metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) –, com participação especial de políticos do PSDB, os principais beneficiários da tramoia. Durante a apuração, ficou evidente que o desenlace dessa trama é amargo para os contribuintes paulistas. A investigação revela que o cartel superfaturou cada obra em 30%. É o mesmo que dizer que os governantes tucanos jogaram nos trilhos R$ 3 de cada R$ 10 desembolsado com o dinheiro arrecadado dos impostos. Foram analisados 16 contratos correspondentes a seis projetos. De acordo com o MP e o Cade, os prejuízos aos cofres públicos somente nesses negócios chegaram a RS 425,1 milhões. Os valores, dizem fontes ligadas à investigação ouvidas por ISTOÉ, ainda devem se ampliar com o detalhamento de outros certames vencidos em São Paulo pelas empresas integrantes do cartel nesses e em outros projetos.
Entre os contratos em que o Cade detectou flagrante sobrepreço está o de fornecimento e instalação de sistemas para transporte sobre trilhos da fase 1 da Linha 5 Lilás do metrô paulista. A licitação foi vencida pelo consórcio Sistrem, formado pela empresa francesa Alstom, pela alemã Siemens juntamente com a ADtranz (da canadense Bombardier) e a espanhola CAF. Os serviços foram orçados em R$ 615 milhões. De acordo com testemunhos oferecidos ao Cade e ao Ministério Público, esse contrato rendeu uma comissão de 7,5% a políticos do PSDB e dirigentes da estatal. Isso significa algo em torno de R$ 46 milhões só em propina. “A Alstom coordenou um grande acordo entre várias empresas, possibilitando dessa forma um superfaturamento do projeto”, revelou um funcionário da Siemens ao MP. Antes da licitação, a Alstom, a ADtranz, a CAF, a Siemens, a TTrans e a Mitsui definiram a estratégia para obter o maior lucro possível. As companhias que se associaram para a prática criminosa são as principais detentoras da tecnologia dos serviços contratados.
O responsável por estabelecer o escopo de fornecimento e os preços a serem praticados pelas empresas nesse contrato era o executivo Masao Suzuki, da Mitsui. Sua empresa, no entanto, não foi a principal beneficiária do certame. Quem ficou com a maior parte dos valores recebidos no contrato da fase 1 da Linha 5 Lilás do Metrô paulista foi a Alstom, que comandou a ação do cartel durante a licitação. Mas todas as participantes entraram no caixa da propina. Cada empresa tinha sua própria forma de pagar a comissão combinada com integrantes do PSDB paulista, segundo relato do delator e ex-funcionário da Siemens revelado por ISTOÉ em sua última edição. Nesse contrato específico, a multinacional francesa Alstom e a alemã Siemens recorreram à consultoria dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira. Documentos apresentados por ISTOÉ na semana passada mostraram que eles operam por meio de duas offshores localizadas no Uruguai, a Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Para não deixar rastro do suborno, ambos também se valem de contas em bancos na Suíça, de acordo a investigação.
PEDIDO DE CPI
Líder do PT na Assembleia Legislativa,
Luiz Claudio Marcolino, trabalha pela abertura de inquérito
No contrato da Linha 2 do Metrô, o superfaturamento identificado até agora causou um prejuízo estimado em R$ 67,5 milhões ao erário paulista. As licitações investigadas foram vencidas pela dupla Alstom/Siemens e pelo consórcio Metrosist, do qual a Alstom também fez parte. O contrato executado previa a prestação de serviços de engenharia, o fornecimento, a montagem e a instalação de sistemas destinados à extensão oeste da Linha 2 Verde. Orçado inicialmente em R$ 81,7 milhões, só esse contrato recebeu 13 reajustes desde que foi assinado, em outubro de 1997. As multinacionais francesa e alemã ficaram responsáveis pelo projeto executivo para fornecimento e implantação de sistemas para o trecho Ana Rosa/ Ipiranga. A Asltom e a Siemens receberam pelo menos R$ 143,6 milhões para executar esse serviço.
O sobrepreço de 30% foi estabelecido também em contratos celebrados entre as empresas pertencentes ao cartel e à estatal paulista CPTM. Entre eles, o firmado em 2002 para prestação de serviços de manutenção preventiva e corretiva de dez trens da série 3000. A Siemens ganhou o certame por um valor original de R$ 33,7 milhões. Em seguida, o conglomerado alemão subcontratou a MGE Transportes para serviços que nunca foram realizados. A MGE, na verdade, serviu de ponte para que a Siemens pudesse efetuar o pagamento da propina de 5% acertada com autoridades e dirigentes do Metrô e da CPTM. O dinheiro da comissão – cerca de R$ 1,7 milhão só nessa negociata, segundo os investigadores – mais uma vez tinha como destino final a alta cúpula da estatal e políticos ligados ao PSDB. A propina seria distribuída, segundo depoimento ao Cade ao qual ISTOÉ teve acesso, pelo diretor da CPTM, Luiz Lavorente. Além da MGE, a Siemens também recorreu à companhia japonesa Mitsui para intermediar pagamentos de propina em outras transações. O que mais uma vez demonstra o quão próxima eram as relações das empresas do cartel que, na teoria, deveriam concorrer entre si pelos milionários contratos públicos no setor de transportes sobre trilhos. O resultado da parceria criminosa entre as gigantes do setor pareceu claro em outros 12 contratos celebrados com a CPTM referentes às manutenções dos trens das séries 2000 e 2100 e o Projeto Boa Viagem, que já foram analisados pelo CADE. Neles, foi contabilizado um sobrepreço de aproximadamente R$ 163 milhões.
Não é por acaso que as autoridades responsáveis por investigar o caso referem-se ao esquema dos governos do PSDB em São Paulo como uma “fabulosa história”. O superfaturamento constatado nos contratos de serviços e oferta de produtos às estatais paulistanas Metrô e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos [CPTM] supera até mesmo os índices médios calculados internacionalmente durante a prática deste crime. Cálculos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, por exemplo, apontam que os cartéis ocasionam um prejuízo aos cofres públicos de 10% a 20%. No caso destes 16 contratos, a combinação de preços e direcionamentos realizados pelas companhias participantes da prática criminosa levaram a um surpreendente rombo de 30% aos cofres paulistas.
Diante das denúncias, na última semana o PT e outros partidos oposicionistas em São Paulo passaram a se movimentar para tentar aprovar a instalação de uma CPI. “O governador Geraldo Alckmin diz querer que as denúncias do Metrô e da CPTM sejam apuradas. Então, que oriente a sua bancada a protocolar o pedido de CPI, pelo menos, desta vez”, propôs o líder do PT na Assembleia paulista, Luiz Cláudio Marcolino. “É flagrante que os contratos precisam ser revisados. Temos de ter transparência com o dinheiro público independente de partido”, diz ele. Caso a bancada estadual do PT não consiga aprovar o pedido, por ter minoria, a sigla tentará abrir uma investigação na Câmara Federal. “Não podemos deixar um assunto desta gravidade sem esclarecimentos. Ainda mais quando se trato de acusações tão contundentes de desvios de verbas públicas”, afirmou o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP). O que se sabe até agora já é suficiente para ensejar um inquérito. Afinal, trata-se de um desvio milionário de uma das principais obras da cidade mais populosa do País e onde se concentra o maior orçamento nacional. Se investigada a fundo, a história do achaque de 30% aos cofres públicos pode trazer ainda mais revelações fabulosas.
Queima de arquivo
Uma pasta amarela com cerca de 200 páginas guardada na 1ª Vara Criminal do Fórum da cidade de Itu, interior paulista, expõe um lado ainda mais sombrio das investigações que apuram o desvio milionário das obras do metrô e trens metropolitanos durante governos do PSDB em São Paulo nos últimos 20 anos. Trata-se do processo judicial 9900.98.2012 que investiga um incêndio criminoso que consumiu durante cinco horas 15.339 caixas de documentos e 3.001 tubos de desenhos técnicos. A papelada fazia parte dos arquivos do metrô armazenados havia três décadas. Entre os papeis que viraram cinzas estão contratos assinados entre 1977 e 2011, laudos técnicos, processos de contratação, de incidentes, propostas, empenhos, além de relatórios de acompanhamento de contratos de 1968 até 2009. Sob segredo de Justiça, a investigação que poderá ser reaberta pelo Ministério Público, diante das novas revelações sobre o caso feitas por ISTOÉ, acrescenta novos ingredientes às já contundentes denúncias feitas ao Cade pelos empresários da Siemens a respeito do escândalo do metrô paulista. Afinal, a ação dos bandidos pode ter acobertado a distribuição de propina, superfaturamento das obras, serviços e a compra e manutenção de equipamentos para o metrô paulista.
Segundo o processo, na madrugada do dia 9 de julho do ano passado, nove homens encapuzados e armados invadiram o galpão da empresa PA Arquivos Ltda, na cidade de Itu, distante 110 km da capital paulista, renderam os dois vigias, roubaram 10 computadores usados, espalharam gasolina pelo prédio de 5 mil m² e atearam fogo. Não sobrou nada. Quatro meses depois de lavrado o boletim de ocorrência, nº 1435/2012, a polícia paulista concluiu que o incêndio não passou de um crime comum. “As investigações não deram em nada”, admite a delegada de Policia Civil Milena, que insistiu em se identificar apenas pelo primeiro nome. “Os homens estavam encapuzados e não foram identificados”, diz a policial. Investigado basicamente como sumiço de papéis velhos, o incêndio agora ganha ares de queima de arquivo. O incidente ocorreu 50 dias depois de entrar em vigor a Lei do Acesso à Informação, que obriga os órgãos públicos a fornecerem cópias a quem solicitar de qualquer documento que não seja coberto por sigilo legal, e quatro meses depois de começarem as negociações entre o Cade e a Siemens para a assinatura do acordo de leniência, que vem denunciando as falcatruas no metrô e trens paulistas. “Não podemos descartar que a intenção desse crime era esconder provas da corrupção”, entende o deputado Luiz Cláudio Marcolino, líder do PT na Assembleia Legislativa do Estado.
Além das circunstâncias mais do que suspeitas do incêndio, documentos oficiais do governo, elaborados pela gerência de Auditoria e Segurança da Informação (GAD), nº 360, em 19 de setembro passado, deixam claro que o galpão para onde foi levado todo o arquivo do metrô não tinha as mínimas condições para a guarda do material. Cravado em plena zona rural de Itu, entre uma criação de coelhos e um pasto com cocheiras de gado, o galpão onde estavam armazenados os documentos não tinha qualquer segurança. Poderia ser facilmente acessado pelas laterais e fundos da construção.
De acordo com os documentos aos quais ISTOÉ teve acesso, o governo estadual sabia exatamente da precariedade da construção quando transferiu os arquivos para o local. O relatório de auditoria afirma que em 20 de abril de 2012 – portanto, três dias depois da assinatura do contrato entre a PA Arquivos e o governo de Geraldo Alckmin – o galpão permanecia em obras e “a empresa não estava preparada para receber as caixas do Metrô”. A comunicação interna do governo diz mais. Segundo o laudo técnico do GAD, “a empresa não possuía instalações adequadas para garantir a preservação do acervo documental”. Não havia sequer a climatização do ambiente, item fundamental para serviços deste tipo.
O prédio foi incendiado poucos dias depois da migração do material para o espaço. “Não quero falar sobre esse crime”, disse um dos proprietários da empresa, na época do incêndio, Carlos Ulderico Botelho. “Briguei com o meu sócio, sai da sociedade e tomei muito prejuízo. Esse incêndio foi estranho. Por isso, prefiro ficar em silêncio”. Outra excentricidade do crime é que o fato só foi confirmado oficialmente pelo governo seis meses depois do ocorrido. Em 16 páginas do Diário do Diário Oficial, falou-se em “sumiço” da papelada. Logo depois da divulgação do sinistro, o deputado estadual do PT, Simão Pedro, hoje secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo, representou contra o Governo do Estado no Ministério Público Estadual. “Acredita-se que os bandidos tenham provocado o incêndio devido o lugar abrigar vários documentos”. Para o parlamentar, “esse fato sairia da hipótese de crime de roubo com o agravante de causar incêndio, para outro crime, de deliberada destruição de documentos públicos”, disse Simão, em dezembro passado. Procurados por ISTOÉ, dirigentes do Metrô de SP não quiseram se posicionar.
Fotos: PEDRO DIAS/ag. istoé
Fotos: ADRIANA SPACA/BRAZIL PHOTO PRESS; Luiz Claudio Barbosa/Futura Press; NILTON FUKUDA/ESTADÃO
Foto: Rubens Chaves/Folhapress